Carta de um pessimista

Por Paulo André Cecílio *adepto do fcp   

 

Segue-se a transcrição, na íntegra, de uma carta escrita por um determinado adepto do FC Porto a residir num dos bastiões-mor do vírus vermelho. Para ler em tom piadético.

«Eu sou por natureza um pessimista, adepto fiel da lei de Murphy: qualquer coisa que possa correr mal, irá correr mal. Se correr bem, a justificação só poderá estar numa anomalia cósmica, numa espécie de bug da Matrix que impediu o funcionamento normal – e niilista – das coisas; se alguma centelha de crença começar a brilhar com um maior entusiasmo, uma equipa de bombeiros está sempre preparada, ali no fundo da cabeça, para a extinguir. Aliado a esse pessimismo está, também, o famoso lema de São Tomé: ver para crer.

O problema é que não tenho visto, e por conseguinte também não tenho acreditado. Infelizmente, nestes territórios a sul que quase roçam o Magrebe, as cooperativas habitacionais onde residem os pobres e que têm parcerias com operadoras de telecomunicações não têm como hábito disponibilizar canais objectivamente mais interessantes, como o é o caso do Porto Canal (Sportings e Benfica TVs estão, naturalmente, activos). Traduz-se isto, então, no facto de ainda não ter vislumbrado qualquer rasgo de génio no ainda curto trabalho de Sérgio Conceição à frente do FC Porto pelo simples facto de que não vi porra absolutamente nenhuma. Mas isso é bom para o meu argumento inicial: posso continuar a ser pessimista, e os bombeiros podem continuar a descansar mais um bocado.

E posso continuar a sê-lo até porque normalmente o meu pessimismo se traduz em coisas maravilhosas (o que alguém menos leigo traduzirá de forma simples com a seguinte expressão, em tom jocoso e sarcástico: percebes bué desta merda). Eu explico: do alto de uns imberbes quinze anos, fui eu quem disse à professora de francês que não, José Mourinho não iria fazer nada no Porto. Uns anitos mais tarde, debati-me com a escolha de Jesualdo Ferreira, que já tinha visto ao leme da equipa da terra. Amaldiçoei até mais não a escolha de Jackson Martíne para ponta-de-lança, ele que não soava a mais que um novo Pena. E assim sucessivamente, de vitória em vitória, eu mantive intacto o pessimismo – a conclusão lógica é a de que quanto mais se bufa e esperneia em relação a algo, mais ela terá vontade de provar que estamos errados.

Não é que esse pessimismo tenha raízes no ódio, mas sim no amor; como, aliás, todo o pessimismo. Um homem não critica o seu país porque o detesta. Critica-o porque o quer ver melhor, maior do que os demais; critica-o porque o elogio não é nada sem a crítica – esfuma-se o segundo e o primeiro deixa de existir, para se transformar em lambe-botismo. Se alguém critica os últimos anos (e deve) de FC Porto é porque considera que o FC Porto em absolutamente nada deve aos Real Madrids desta vida, e porque acredita, do fundo do coração, que com trabalho sério e competente também se poderiam festejar Ligas dos Campeões de dois em dois anos.

Portanto, chegamos à ideia-chave: uma pré-época nunca poderá servir de diapasão para o restante ano, nem o embandeirar em arco deve sobrepôr-se a uma visão calma e ponderada das coisas. Diz toda a gente que a equipa tem jogado muito melhor, mas convenhamos que desde a saída de André Vilas-Boas que tal não seria uma tarefa difícil. Também dizem que Aboubakar parece estar de pedra e cal no Dragão, ele que há bem pouco tempo bufava e esperneava tanto quanto este escriba. E dizem, sobretudo, que Conceição é o homem certo para o momento certo, o timoneiro que levará esta nau a bom Porto (passe o pleonasmo). E, em boa verdade – até para que me provem o contrário, porque nada me faria mais feliz que estar errado, ao contrário de um qualquer profeta apocalíptico –, mesmo com tudo isto eu continuo pessimista. Tão pessimista que vibrei com os resumos de todos os golos apontados nesta pré-época e já mudei a tipologia do cartão de sócio para um que me permita, caso a conta bancária o favoreça, ir ao estádio sempre que me apetecer. Tão pessimista que acho que este ano não vamos ganhar nada, o que significa que provavelmente iremos ganhar tudo. Nunca mais começa o campeonato…»